quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
Saudades do eterno João Cabral de Melo Neto
Se estivesse entre nós, o poeta João Cabral de Melo Neto completaria neste 9 de Janeiro de 2010, 90 anos. Escritor recifense, é um dos maiores representantes da literatura brasileira, nasceu em 1920 e morreu em 1999 e até hoje, estranhamente, a causa de sua morte não foi divulgada.
Aos 79 anos, já praticamente cego, sofrendo de depressão e problemas cardíacos, o poeta manda chamar um padre e pede a extrema-unção. Talvez ouvisse uma palavra d’alma mostrando que sua hora chegara e talvez sentisse que rezar um pouco lhe fizesse bem. Talvez. Estava em sua casa, na zona sul do Rio, ao lado dos próximos, e segundo seu filho, naquele momento era um homem sereno e em paz.
O escritor inovou a linguagem poética, deixando de lado o lirismo que influenciou várias gerações de poetas brasileiros. Com um estilo único, publicou livros que se tornaram clássicos da literatura nacional. Um dos mais famosos foi o Auto de Natal e Morte e Vida Severina, publicado na década de 50. O poema foi levado ao cinema, ao teatro e à televisão.
Quando morre um poeta, morre um pouco de cada um daqueles que amam a poesia. Fragmentos nossos morrem junto porque o egoismo do autor leva com ele um naco do nosso encanto, da nossa paz, leva com ele uma porção da nossa alma, da emoção dos dias de sol, das tardes de doçura, das noites de calmaria que a sua poesia proporcionou. Ainda que tenha deixado sua obra e sua lembrança, a morte de um poeta é sempre uma violência ao patrimônio humano, uma agressão. Ele morre e fica um vazio, um escuro, ficam câimbras no coração. João Cabral de Melo Neto foi um dos maiores poetas da língua portuguesa, e talvez, junto com Drummond, seja a mais importante expressão poética nacional do século XX.
Acadêmico das letras brasileiras desde 1968, indicado ao Prêmio Nobel por cinco vezes, diplomata com direitos consulares em Barcelona , Londres, Marselha, Madrid entre tantos outros cantos culturais do planeta, João acumulou densidade, prêmios, obras e leitores ao longo de uma vida de grande fecundidade literária. Publica seu primeiro livro aos 22 anos ( Pedra de Sono), o segundo aos 23 (Os Três Mal-Amados), e assim continua numa constante vida de poesia e diplomacia que deságua em 1956 com (Duas Águas), onde assombra e encanta a todos com (Morte e Vida Severina), (Paisagens com Figuras) e (Uma Faca só Lâmina). Nos seus últimos anos, na década de 80 e 90, publica (A Escola das Facas) em 1980, (Auto do Frade) 1984, (Agrestes) 1985, (Crime na Calle Relator) 1987, (Primeiros Poemas) 1990 e (Sevilha Andando) 1990 entre tantas outras reedições, revisões e coletâneas.
" A atmosfera que te envolve
atinge tais atmosferas
que transforma muitas coisas
que te concernem, ou cercam.
E como as coisas, palavras
impossíveis de poema:
exemplo, a palavra ouro,
e até este poema, seda.
É certo que tua pessoa
não faz dormir, mas desperta;
nem é sedante, palavra
derivada da de seda.
E é certo que a superfície
de tua pessoa externa,
de tua pele e de tudo
isso que em ti se tateia,
nada tem da superfície
luxuosa, falsa, acadêmica,
de uma superfície quando
se diz que ela é “como seda”.
Mas em ti, em algum ponto,
talvez fora de ti mesma,
talvez mesmo no ambiente
que retesas quando chegas,
há algo de muscular,
de animal, carnal, pantera,
de felino, da substância
felina, ou sua maneira,
de animal, de animalmente,
de cru, de cruel, de crueza, que sob a palavra gasta
persiste na coisa seda.
(João Cabral de Melo Neto/ A palavra seda)
Fonte: Site algosobre.com
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