quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O gênio do ano

O autor de telenovelas João Emanuel Carneiro, chegou ao estrelato máximo este ano com o sucesso de sua novela "Avenida Brasil" no horário nobre, mas não é de hoje sua genialidade com a escrita, ele começou aos quatorze anos com cartunista Ziraldo roteirizando histórias em quadrinhos. Aos vinte e dois, ele foi premiado como roteirista do curta-metragem Zero a Zero e optou definitivamente por esta profissão. Além deste, ele também colaborou nos roteiros de filmes como Central do Brasil, O primeiro dia, Cronicamente inviável, Orfeu, Deus é brasileiro e Castelo Rá-Tim-Bum. Na TV, foi colaborador de Maria Adelaide Amaral nas minisséries A muralha em 2000 e Os Maias em 2001 e de Euclydes Marinho na novela Desejos de Mulher em 2002. A primeira novela como autor titular foi Da cor do pecado em 2004, na qual contou com supervisão de texto do renomado novelista Sílvio de Abreu. Da Cor do Pecado foi um grande sucesso, a maior audiência entre as novelas das sete desde A Viagem, de Ivani Ribeiro, em em 1994. O sucesso rendeu 43 pontos de média geral para a novela, audiência digna de novela das 21h. Em 2006 escreveu Cobras e lagartos, levada ao ar em substituição à fracassada Bang Bang, de Mário Prata. Ele teve a missão, bem-sucedida, de recuperar a audiência perdida para a concorrente TV Record, que ganhava com o sucesso Prova de Amor, de Tiago Santiago. E conseguiu, a novela fechou com 39 pontos de média geral, sendo assim a segunda maior audiência do horário das 19h deste século, perdendo apenas para a sua também Da cor do pecado. Em 2008, escreveu a novela A Favorita, sua primeira novela das 21h, que teve 197 capítulos. A promoção de horário deve-se ao fato que ter feito os dois maiores sucessos da década no horário das sete: Da Cor do Pecado e Cobras e Lagartos. Supervisionou pela primeira vez uma novela em 2009, que foi Cama de gato, novela de Thelma Guedes e Duca Rachid no horário das 18h. Pra quem não sabe, João Emanuel Carneiro é meio-irmão da atriz Cláudia Ohana e filho da escritora, antropóloga e crítica de arte Lélia Coelho Frota. Mas foi esse ano de 2012, quando escreveu Avenida Brasil, sua melhor novela até agora, como o próprio João Emanuel mesmo admitiu e destacou ainda os talentos das atrizes: Adriana Esteves, perfeita como a vilã Carminha e também Débora Falabella, como a mocinha "quase-vilã" da história. Avenida Brasil foi um sucesso que monopolizou a país com a implacável saga de Nina (Débora Falabella), uma jovem que arquiteta um plano de vingança contra sua ex-madrasta, Carmem Lúcia (Adriana Esteves), responsável pela morte de seu pai e por tê-la abandonado no lixão. O autor João Emanuel merecidamente cobriu-se de glórias com a sua Avenida Brasil, conseguindo, além do sucesso da crítica, fazer o mais resistente do espectador ligar a TV para assistir uma trama extremamente simples e popular durante sete meses, e conferir capítulo a capítulo até o desfecho da novela, que foi em clima de total decisão de Copa do Mundo, todos os olhares voltaram-se ao folhetim que, durante a exibição do juízo final. Mas como ninguém é perfeito, o autor pecou em desfechos clichês e visivelmente inexplorados. Foi o caso da descoberta de que Carminha (Adriana Esteves) foi a grande assassina de Max (Marcello Novaes). Uma coisa imperdoável. Sem inovar, essa culpa em cima dos vilões não vem de hoje nas telenovelas. Outra mancada foi a transformação repentina da própria Carminha (Adriana Esteves). Nos capítulos anteriores, a megera disse aos berros, ao ser expulsa da casa de Tufão (Murilo Benício), que "todos lhe pagariam", isso, com uma carga de ódio típica da personagem. No capítulo final, eis que a mesma moça que internou Rita/Nina (Débora Falabella), no lixão aparece arrependida de seus crimes, culpa a vida por todo o mal, toma a arma da mão de Santiago, seu pai, e o fere para salvar Nina e Tufão. Em seguida, confessa para a polícia que ela também foi responsável pela morte de Max, o que resulta em três anos de cadeia. Não bastasse as cenas clássicas, Carminha aproveita o capítulo para pedir perdão para todos aos quais ela fez mal. Sai da cadeia com os cabelos escuros e vai direto para seu novo/velho abrigo: o lixão. Lá passa a cozinhar (coisa que não sabia) e conhece o neto. Sim, Nina, depois de todo o mal que Carminha lhe fez, enterrando-a viva, só para citar um exemplo, tem coragem de entregar uma criança nas mãos da vilã que, pasmem, gritou no primeiro capítulo que odeia criança. Até o polêmico, encrenqueiro e também novelista Aguinaldo Silva, autor de Fina Estampa, novela antecessora de Avenida Brasil, parabenizou João Emanuel Carneiro, pelo sucesso de sua trama e pelos números conquistados pelos altos índices de audiência. Um dos esportes favoritos da intelectualha nacional é sociologizar tudo, principalmente esses divertimentos populares, tipo: futebol, carnaval, shopping e novela, talvez seja esse um dos fatores que fizeram Avenida Brasil ser esse fenômeno televisivo que foi. Lógico que também existiram outros fatores, como a internet (consolidou um novo hábito brasileiro de assistir à TV comentando no Twitter e no Facebook. A fúria de Carminha, o linguajar tosco de Adauto (Juliano Cazarré) e os mexericos de Zezé (Cacau Protásio) foram postados em tempo real) e as redes sociais (a imagem de um personagem "congelando", multiplicou-se nas redes sociais), tecnologia (foi uma das novelas mais bem iluminadas, filmadas, microfonadas e editadas que já vi na TV brasileira, fez jus aos milhões de televisores Full HD, tela plana, 40 polegadas pelos lares brasileiros afora), a magnífica Adriana Esteves, que brilhou no grande papel de sua carreira (quem não lembra que, há quase 20 anos atrás, ela foi execrada ao interpretar a enjoada Mariana, que vivia a miar "painho" para Zé Inocêncio (Antônio Fagundes) na novela Renascer em 1993), o texto e o enredo do gênio João Emanuel Carneiro, que até recebeu o apelido de Capitão Gancho nos bastidores da TV Globo, em referência à ação constante e aos desfechos tensos de cada noite, seu texto ágil não apenas carregava a atenção da audiência de um capítulo para o outro, mas a mantinha durante os intervalos, " a comédia dos costumes" ( o que mais cativou o telespectador foi a ascensão da classe D e o empobrecimento da classe A. Os dois polos, o do Divino e o da Vieira Souto, didaticamente explicavam o que é cafona e o que não é), a direção (Amora Mautner, diretora responsável pelo núcleo da família Tufão, explorou a sintonia entre os atores e as cenas alicerçadas no improviso. Obteve as sequências hilárias de certo caos em alto volume, com todos falando ao mesmo tempo), o elenco ( o autor soube valorizar grandes atuações, como as de Marcos Caruso (Leleco), o malandro suburbano desocupado, e Zé de Abreu (Nilo), consagrado como o abjeto interesseiro do lixão. O sucesso de Avenida Brasil virou notícia internacional. O jornais The Guardian e Washington Post e a BBC destacaram o sucesso da novela. Segundo a inglesa BBC, a novela "se tornou um fenômeno sem precedentes e até a presidenta Dilma Rousseff se sentiu obrigada a mudar sua agenda de compromissos por conta do último epísódio da trama". "'Avenida Brasil' trabalha com níveis elevados de drama combinados com uma intrigante história de uma garotinha que, quando adulta, volta para vingar a morte de seu pai", descreveu o site. Já o site do jornal Washington Post noticiou que "os órgãos responsáveis pela eletricidade do Brasil estão se preparando para uma possível queda de energia na noite que foi vai ao ar o último capítulo da novela que encantou o maior país da América Latina por meses". Na minha opinião, mesmo depois do final da novela, pareceu que Divino não saia da gente, porque a gente não queria sair do Divino. Divino (bairro fictício da novela). A história e os personagens continuavam presentes. Uma parte da persistência, é verdade, de ter tido na vida privada dos atores do que em Carminha, Tufão, Nina e companhia. A impressão, naquele momento, é a de que Avenida Brasil pode ter servido de antessala da imortalidade para parte do elenco. Como reconhecimento de público e crítica,com fenômeno Avenida Brasil,já está no cronograma da Rede Globo apresentado nos últimos meses, que uma novela de João Emanuel Carneiro somente em 2016 e esta já tem até título provisório, se chamará Rainha do Mar. A sinopse vai girar em torno do desaparecimento da milionária Paloma Stuart, no naufrágio de um transatlântico no começo da história. A personagem será vivida por Patrícia Pillar. Com o sumiço da moça, alguns malandros tentarão a todo custo pegar seu dinheiro. O que ninguém sabe, no entanto, é que ela estará vivinha da silva só que com outra identidade, Maria do Mar, já que ela vai ser resgatada do oceano. É relativamente comum que uma novela de sucesso ecoe por alguns dias após o último capítulo, o que pode até barrar a aceitação da trama que estreia entre parte do público. Foi o que aconteceu e está acontecendo ainda com a novela Salve Jorge de Glória Perez atualmente no ar no lugar de Avenida Brasil. Tudo isso por conta, 173 capítulos levados ao ar, da novela de João Emanuel Carneiro que virou um fenômeno maravilhoso e genial como nunca se viu antes, vindo assim da cabeça privilegiada e criativa de um verdadeiro gênio do produto tele novelístico brasileiro, que veio romper com as convenções e subverter formatos pré-estabelecidos no gênero, se consolidando sem sombra de dúvidas, como o grande novelista desse ano e da história das telenovelas no Brasil, quiçá do mundo.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A febre anarquista de Cláudio Assis

Há 50 anos nascia em Caruaru, estado de Pernambuco, o anarcocineasta Cláudio Assis. Deu início a sua carreira como ator e cineclubista na cidade em que nasceu, até a direção do primeiro longa, Amarelo Manga em 2002, premiado em Brasília, Toulouse na França, Miami e Fortaleza. Cláudio construiu uma trajetória que inclui a direção e produção de curtas, documentários e longas. Estes últimos são resultado de profunda reflexão sobre a linguagem cinematográfica e seus meios de produção. Sua obra dialoga entre si e constrói um discurso cinematográfico próprio, focado na reflexão do comportamento humano. Seus longas são projetos de baixo orçamento, embora na tela não transpareçam as dificuldades e limitações enfrentadas para a realização. Entre seus trabalhos de direção destacam-se: Baixio das bestas de 2006, premiado nos festivais de Brasília, Roterdã, Miami e Paris; Chico Science – Retratos brasileiros de 2008 e Vou de volta de 2007. Também dirigiu dois curtas: O Brasil em curtas 06 - Curtas pernambucanos de 1999, Texas Hotel em 1999, Viva o cinema de 1996, Soneto do desmantelo blue de 1993 e Henrique de 1987. Em 2011 fez A febre do rato, seu mais recente longa e ganhando vários esse ano, como: Melhor Filme de Ficção no Festin em Lisboa, Melhor Filme Ficção, Melhor Ator (Irandhyr Santos), Melhor Atriz (Nanda Costa), Melhor fotografia, Melhor montagem, Melhor direção de arte, Melhor trilha sonora, no Festival de Paulínia (São Paulo). Na adolescência, Cláudio Assis vestia-se de amarelo porque queria ser poeta como Vladimir Maiakovski. Depois tocou percussão em uma banda de rock, e a falta de ritmo que o fez fracassar é hoje motivo de orgulho: “Acho maravilhoso! A gente é mesmo torto. A vida é assim”. Os personagens de seus filmes se revelam por desvios e parecem cumprir a função de mostrar o grotesco do mundo. Às vezes, causam repulsa: “Eu filmo a morte de um boi em Amarelo Manga e dizem que sou violento. Fassbinder mostra dez bois com a cabeça decepada enquanto um casal conversa e é considerado cult”. Parte da crítica afirma que os trabalhos de Assis têm a intenção de chocar. Em Amarelo Manga, um homem é violentado com uma escova de cabelo. Em Baixio das Bestas, um avô exibe sua neta adolescente para clientes se masturbarem. Febre do Rato é mais suave, mas não tão distante: o protagonista, por exemplo, costuma transar com velhas em uma caixa-d’água. Um universo distante do que poderia ser considerado habitual. O diretor, no entanto, adora dizer que seu cinema é como o futebol de Garrincha, “o da maioria”. “As pessoas não ficam nuas? Mulher não tem estria? Homem não brocha? Qual é o problema? Eu filmo a realidade.” "A febre do rato" é uma expressão popular típica do Nordeste, especificamente do Recife, que significa aquele que está fora de controle. Metáfora apenas aparente para Zizo, personagem principal, que abre o filme com o ator Irandhir Santos, na pele do poeta, declamando: “Logo ali por trás do mangue, descansa a insônia, a faca, o serrote, o trabalho, o sexo e o sangue”. As convicções desse poeta inconformista perigam ruir quando ele cruza o caminho de Eneida (Nanda Costa), uma jovem de espírito livre. E Matheus Nachtergaele, presente nos dois filmes anteriores do diretor, que interpreta o coveiro da cidade. Já de início se restabelece uma conexão com o movimento cultural do Recife dos anos 1990, de que Assis é tributário: o mangue beat. Mas não só de sua poesia. Zizo é um poeta por vocação, personagem que chama a atenção pelo tom anárquico. Tanto que muita gente assegura que A febre do rato é autobiográfico. Então, qualquer semelhança entre personagem e diretor é mera coincidência? “Ele tem um pouco o meu jeito, tem a minha mão por trás, mas não sou eu”, garante Cláudio Assis. No filme o “tal” poeta, se dedica a vida à publicação de seu jornaleco, cujo nome é o mesmo do título. O objetivo é expor suas ideias, repletas de propostas anárquicas que valorizam o livre arbítrio das pessoas, sem se prender às amarras morais impostas pela vida civilizada. Quem não conhece o mundo de Zizo pode imaginar que ele esteja com a febre do rato, ou seja, fora de controle. Só que a verdade é justamente o oposto. E isso é só o começo do fim para esse cineasta genial, polêmico e alucinante. Afinal, para que serve o polêmico cinema de Cláudio Assis? “Para contribuir para que as pessoas pensem e tomem atitude. Não se pode fazer concessões. O que vemos no meio é todo mundo querendo as mesmas coisas, ir para Hollywood. Não faço concessões a ninguém, nem ao público, tenho que ser franco com ele.” Também não é preciso pensar que o cineasta se sente sozinho nessa empreitada. “Tem outras pessoas fazendo assim, mas a maioria prefere se esconder atrás dos mesmos interesses”, acusa. Não por acaso, o poeta Zizo grita, em determinado momento: “Coragem! Coragem para você ser quem você é”. E coragem é o que Cláudio Assis tem de sobra. “Se queres ser universal, começa por pintar sua aldeia.” O pensamento atribuído ao escritor russo Liev Tolstói, é uma das frases preferidas de Cláudio Assis, que há dois anos voltou a viver em sua terra natal. Como ele mesmo diz: “não tenho vontade de filmar fora do meu estado”. “Conheço muito o interior, nasci em Caruaru. Ainda tenho muitas histórias de lá para contar. E olhe que está dando certo. Como diria o poeta, fale de sua aldeia e falará com o mundo”, afirma ele. O exemplo desse pensamento, estão aí pra quem quiser assistir. Sua trilogia mais importante, Amarelo manga (centrado em personagens do submundo da cidade de Recife), Baixio das bestas (sobre as violências cometidas nas entranhas da região agropecuária de Pernambuco) e A febre do rato, todos para comprovar que há outros Brasis a serem (bem) explorados pelo cinema e também a parceria nos três longas com seu ator fixação Matheus Nachtergaele . Cláudio Assis é conhecido por não ter papas na língua, o diretor que apontou a família Barreto, Cacá Diegues e Hector Babenco como coronéis do cinema nacional, continua defendendo uma arte contestatória: “Como dizia Chico Science, ‘de que lado você samba, de que lado você vai sambar?’. Meu cinema é para fazer as pessoas pensarem. Na vida você tem que ter uma opinião própria”. No cinema brasileiro, é muito triste ver os mais jovens querendo repetir o que já existe, não há o cinema da reinvenção. Por mais que se diga que o cinema é uma arte nova, ele está em extinção, então é preciso um olhar novo, que não esteja preso a regras, estereótipos, mercado. O que eu pretendo, que é muito pouco, é que as pessoas tenham um olhar de estrangeiro. Busco em A febre do rato é fazer um cinema de atitude, de coragem, da proposição de ser o que você é, de não ter vergonha do que faz. Não sei se estou conseguindo, mas estou tentando. Quero que as pessoas pensem, se eu conseguir isso, então realizei meu sonho. Faço um cinema é muito plugado na realidade social. Acho que o mundo é muito injusto com todo mundo. E, por mais que entrem questões como o amor e a anarquia de um poeta da minha imaginação, a gente tem um problema social que é muito grave e não dá para se ausentar. E o momento que eu tenho para estar presente nessa discussão é num filme. Faço um discurso de que por meio da poesia podemos falar de igualdade. Sou influenciado pela vida, pelo amor. Não inventei a roda, mas tenho meus mestres. Bertolucci, Glauber e sobretudo Nelson Pereira dos Santos. O cinema brasileiro é “Vidas Secas” de 1963. Eu não acredito em Deus, mas, se eu fosse ele, ressuscitaria o Nelson Pereira dos Santos (o cineasta está vivo). Não há diferença de sexo, cor, de nada. A gente que faz cinema tem uma luta, uma questão que é humana. E só um poeta pode falar disso. Por isso que A febre do rato é em preto e branco, traz nudez e palavrões, também traz um poeta anarquista, que cria seu mundo como quer. Estudei economia, fui do Partido Comunista Revolucionário, mas faço cinema porque quero contribuir de uma maneira poética. Mudar o pensamento das pessoas é mais importante do que chegar com armas. Isso não leva a nada. O cinema pode provocar a mudança nas pessoas de maneira mais elegante, construtiva, de modo que você tenha lazer, prazer. Mas não gosto do rótulo de ser polêmico que colocam em mim. Prefiro que rotulem meus filmes, podem dizer que A Febre do rato é forte mesmo e que fala de poesia. Então tome poesia! Está tudo lá, lá estamos falando palavrão, mas tem também versos, brados e poesia pra quem preferir.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O fenômeno psy...cótico do coreano

Parece até que o mundo perdeu o senso crítico e/ou o insight causando assim uma espécie de incapacidade de reconhecer o carácter estranho e bizarro do hit “Gangnam style” cantado pelo cantor, rapper e pop star sul-coreano Psy, alter-ego de Park Jae-Sang, pelos quatro cantos desse globo terrestre. Seu videoclipe é o mais visto da história do YouTube e da internet, ganhou mais de 970 milhões de visualizações desde seu lançamento, em 19 de junho deste ano e logo vai atingir a marca de 1 bilhão, entrando automaticamente para o Guinness Book e também no capítulo da história da cultura pop dedicado às celebridades instantâneas e globais. E não é que o fenômeno coreano, estudou música? E nos EUA! Ele lançou seu primeiro disco em 2000, até agora, o cantor tem seis álbuns lançados. Até este ano, ele fazia sucesso só na Coréia. Este ano, o sul-coreano receberá mais de US$ 8 milhões (cerca de R$ 17 milhões de reais) pelo seu hit de sucesso, de acordo com a Associated Press, apenas o valor dos anúncios relacionados ao vídeo rendem ao astro cerca de US$ 870 mil (R$ 1,8 milhão de reais), além disso, o músico e a empresa que gerencia sua carreira também recebem valores relacionados às inúmeras paródias do hit. A revista Time colocou Psy em a sua lista com os 38 indicados a "Pessoa do Ano". Além de o presidente reeleito Barack Obama, Malala Yousafzai, a jovem que foi baleada por extremistas do Talebã por querer estudar, E.L. James, a autora do best-seller Cinquenta tons de cinza e o cantor Jay-Z. O vencedor será conhecido no dia 20 de dezembro. Aqui no Brasil esse fenômeno foi copiado, o hit ganhou até uma versão criada pelo cantor Latino, que vive pegando carona em sucessos internacionais, na versão brasileira chamada por aqui de “Despedida de solteiro” é usado o compasso de “Gangnam style” para falar sobre mulheres e pegação, versão que foi reprovada por boa parte do público brasileiro. Mesmo estando bombado numa dimensão estratosférica, mesmo usando seu estilo brega-chic, mesmo com a dancinha bizarra sobre um cavalo imaginário e mesmo com influências visíveis do hip-hop, rock, R&B e da música eletrônica, Psy é uma exceção entre os ídolos coreanos, os artistas mais famosos do chamado “K-Pop” (uma abreviação de música pop coreana ou música popular coreana) fazem partes de boys bands ou girls bands (Girls Generation, Super Junior, Big Bang, 2NE1 e SHINee, só para citar alguns), muito semelhantes a grupos ingleses e norte-americanos, como o novato One Direction ou o sucesso dos anos 1990 N'Sync. Diferentemente de Psy, as garotas do Girls Generation ou os meninos do Big Bang não zombam dos ricos ou aspirantes a ricos de Seul e nem exibem quilinhos a mais num terno apertado. Os integrantes dos grupos coreanos mais famosos são jovens, bonitos, magros, estilosos e com maquiagem e penteado impecáveis. Nas músicas, que contam com coreografias elaboradas e algumas frases em inglês, eles cantam geralmente sobre o amor. E a pergunta que não quer calar: o que é esse tal estilo Gangnam de ser? Fui pesquisar e descobri que Gangnam é um bairro de classe alta de Seul, capital da Coréia do Sul. Lá não só vivem as pessoas mais ricas e influentes do país, mas também estão localizados as lojas mais caras e luxuosas da cidade, sendo um dos polos que mais cria tendências nacionais. A desigualdade é tanta que quase 7% do PIB do país está localizado nos quase 15 quilômetros quadrados dos bairro. Então, o Gangnam Style seria algo parecido com o Estilo Morumbi de São Paulo, ou o Estilo Leblon no Rio de Janeiro. Mas muito se engana quem pensa que o cantor fez a música apenas para exaltar o estilo de vida luxuoso do local. Todo o clipe é uma divertida crítica social ao modo de vida consumista da região. Além dos filhos de famílias ricas, acostumados com luxo e conforto, o bairro costuma a receber muitas pessoas que não possuem tanto dinheiro assim, mas tentam se passar por ricos e importantes. Apesar de ter nascido no bairro de Gangnam, Park “Psy” Jae-Sang, sempre se mostrou contra a tentativa dos frequentadores do bairro de parecerem mais chiques do que realmente são. O clipe inteiro gira em torno de um cara que se acha um figurão, mas o tempo todo se revela estar num lugar completamente diferente e viver de aparências. Quando pensamos que ele está numa praia, o clipe mostra que ele está num parquinho. Ao invés de andar de cavalo e jogar polo, ele anda num carrossel e brinca de cavalinho (a coreografia mais bizarra e divertida dos últimos tempos). Ao invés de dança numa balada TOP ele dança num ônibus com turistas. Ele encontra a namorada dentro do metrô. Canta dentro de uma cabine de banheiro, sentado na privada. E assim por diante… Mesmo depois do videoclipe ter ganhado milhares de paródias e releituras que ampliaram a sua repercussão. “Gangnam style” e seu criador tiveram sua consagração definitiva semana passada, quando, após assinar contrato com Scooter Braun, empresário de Justin Bieber e da cantora Carly Rae Jepsen, que também fez fama na internet, Psy esteve no programa da apresentadora americana Ellen DeGeneres para ensinar a coreografia a ela e à cantora Britney Spears, no YouTube, o vídeo da “aula” de Psy a Ellen e Britney já soma, sozinho, mais de 20 milhões de visualizações. O talk show de DeGeneres foi um trampolim. Nos dias que se seguiram, o rapper participou de outros programas famosos da televisão americana, como o Saturday Night Live e o Today Show, e foi notícia no mundo todo. Para esses artistas, o problema do sucesso que vem da internet, com ou sem motivação bizarra, é que ele tende a ser um sucesso efêmero. Psy é bom começar a bolar outra dancinha esdrúxula. Ou “Gangnam style”, em breve, pode virar trilha de comercial de ketchup. Eu acho até que isso também poderia estourar no YouTube? Deus tende piedade de nós e de nossos ouvidos! Fica a dica!