quinta-feira, 29 de abril de 2010

O homem que sabia demais de cinema


Há exato trinta anos, em 29 de abril de 1980, o mundo perdia Sir Alfred Joseph Hitchcock, considerado o mestre dos filmes de suspense da história do cinema. Nascido no leste londrino e educado por jesuítas, Hitchcock entrou na indústria do cinema em 1920 como desenhista de legendas de filmes mudos, mas logo se tornou diretor de arte, roteirista e diretor assistente. Fez nove filmes mudos, entre eles O pensionista em 1926, o primeiro com a sua marca: a breve aparição na frente da câmera. Após a chegada do som, o britânico soube dominar a nova tecnologia e em 1940 foi convidado para ir a Hollywood dirigir a adaptação de Rebbeca, a mulher inesquecível. A película foi consagrada com a estatueta da academia e Hitchcock se transformou em um dos diretores mais promissores de Hollywood. Numa época em que os estúdios controlavam os atores e diretores, Hitchcock foi o pioneiro na independência de contrato. Dessa forma, ele escolhia os filmes que iria dirigir e para quem iria trabalhar.
Em Festim Diabólico de 1948, Hitchcock consegue uma tensão crescente que poucos diretores já conseguiram passar para as telas. Nada de fantasmas ou aparições, Festim Diabólico trata do real, apresentando os maiores defeitos e qualidades das emoções humanas, funcionando tanto como um simples entretenimento quanto um estudo aprofundado de personagens. Gravado totalmente em estúdio. É seu primeiro filme colorido, mas não é experimental por causa disso: ele foi filmado em apenas 10 tomadas de oito minutos cada uma. Oito minutos de filme, para a época, era o máximo que um rolo de filme podia suportar. Mas boa parte dos cortes presentes entre essas tomadas são imperceptíveis, o que torna a técnica do filme ainda mais genial. A história de Festim Diabólico é simples mas repleta de personagens que tornam o filme complexo e dinâmico, no sentido de imprevisível. É levemente baseada em um caso real de 1924, quando dois jovens Leopold e Loeb, raptaram e mataram um garoto de 14 anos, na cidade de Chicago. O caso teve grande repercussão em jornais da época. Ambos foram julgados, mas conseguiram escapar da pena de morte, sendo apenas aprisionados. Loeb morreu na prisão e Leopold saiu dela após 45 anos, morrendo no início dos anos 70. Era quase evidente que ambos eram homossexuais, mesmo que isso nunca tenha sido dito como certo. Em Festim Diabólico, Hitchcock pega apenas a premissa geral para criar o roteiro e mantém a suspeita de homossexualismo, da forma mais sutil possível, tanto que muitas pessoas nem desconfiam quando assistem ao filme. O crime tem motivo intelectual, na cidade de Nova York, Brandon (John Dall) e Phillip (Farley Granger) assassinam seu amigo David, por considerarem-se superiormente intelectuais em relação a ele. O assassinato, com uma corda, que é a primeira cena. Com toda a frieza e arrogância do mundo, eles resolvem provar para eles mesmos sua habilidade e esperteza: esconderão o cadáver em um grande baú, que servirá como mesa e estará exposto no meio da sala de estar do apartamento deles, durante uma festa que realizarão logo em seguida. Tudo torna-se ainda mais interessante ao descobrirmos que entre os convidados estarão o pai, a noiva e a tia da vítima. Nesse filme não se usa o clichê Hitchcockiano da loira sensual, que é usado em outros filmes, embora Janet (Joan Chandler) seja muito bonita, ela não é personagem de destaque do filme em momento algum e também não é loira de qualquer forma.
Disque M para matar de 1951 é um filme policial que reinventa o processo tradicional desse gênero. Em Disque M para matar, o cineasta vai longe e põe-se distante sua obra acabada não é construída em obediência aos recursos típicos do cinema da época e segue segundo a sua melhor e mais racional utilização de meios de narrativa e outra, os diálogos se arrastam explicativamente, sem aquele dinamismo funcional. É o que é mostrado nos primeiros instantes do filme, nos quais mostra Grace Kelly, a rica Margot Wendice, beijando domesticamente seu marido, seguidos da notícia e da chegada de um navio e a repetição da cena, desta vez com um beijo apaixonado de miss Kelly no seu amante. O trunfo do filme é a trama em torno do assassino, onde a observação sardônica do diretor encontra tradução apenas nas palavras ditas e muito pouco no jogo de cena ou mesmo na interpretação dos atores. Impressionante também é a interpretação de Grace Kelly como uma mulher rica e infiel, dividida entre o amante americano e o marido. É fantástica a transformação de seu rosto ao longo do filme, desde o início em que está alegre, feliz, entre o marido e o amante, até a mulher arrasada, destruída, da metade do filme em diante.
Em 1954, Hitchcock dirigiu o clássico, Janela Indiscreta, onde um fotógrafo (James Stewart), observa seus vizinhos do prédio da frente com um binóculo. Seu par romântico no filme era ninguém mais, ninguém menos que novamente é a diva Grace Kelly. O mais interessante desse filme, foi o set. Hitchcock destruiu o subsolo de um estúdio para construir o prédio da frente do fotógrafo, desse modo, ele conseguiria um ângulo tal que daria para filmar o prédio por inteiro.
Em O homem que sabia demais filmado em 1956, Hitchcock faz uma de suas aparições clássicas de costas para a câmera, no mercado marroquino, antes do assassinato. Tudo começa no Marrocos, onde uma tradicional família está passando alguns dias, aproveitando uma viagem a trabalho de seu chefe, o médico Benjamin (James Stewart). Fascinados com os costumes locais, logo eles fazem amizade com outro casal ocidental, os Drayton (Brenda De Banzie e Bernard Miles) e com o misterioso francês Louis Bernard (Daniel Gélin). O que era para ser uma viagem tranquila, no entanto, passa a assumir a forma de um pesadelo quando Bernard morre assassinado em pleno mercado público, não sem antes revelar a Benjamin que um importante líder de estado será assassinado em Londres. A idéia de Benjamin é contar tudo à polícia, mas os responsáveis pela morte de Bernard e pela conspiração descoberta por ele sequestram seu filho pequeno, para impedí-lo de fazer qualquer denúncia. Sentindo-se desprotegidos, o médico e sua mulher, a ex-cantora Josephine (Doris Day) partem para Londres, dispostos a reaver o filho e evitar a tragédia prevista pelo francês, que eles descobrem que trabalhava para o FBI. Dessa vez, ao invés de apenas um homem jogado no centro do furacão, ele vai ainda mais longe, fazendo tremer as estruturas de uma família inteira e uma família cuja mãe é Doris Day, a epítome do suburbano, do trivial. Aliada a James Stewart, escolhido por Hitchcock principalmente por representar o homem comum, Day cria um núcleo familiar com o qual qualquer espectador pode tranquilamente se identificar.
Em Um corpo que cai de 1958, o mundo conhece o “Hitchcock Zoom“, um truque de câmera utilizado para passar ao espectador a sensação de vertigem sofrida pelo protagonista através da distorção de perspectiva. Scotty ( James Stewart) é um detetive que descobre sofrer de acrofobia (medo de lugares altos) ao presenciar um colega cair do telhado de um prédio. Devido à sua condição, aposenta-se, mas é contratado por um velho amigo para investigar a sua mulher, Madeleine (Kim Novak), que aparenta estar possuída por uma ancestral suicida. Esse filme é considerado a grande obra prima de Hitchcock, principalmente por trabalhar muitos dos temas caros ao diretor, como a obsessão, o perigo de cair, o envolvimento de um homem comum numa trama insólita e a ambientação de cenas tensas em lugares famosos. Neste filme o diretor aparece novamente em cena aos exatos 11 minutos, caminhando com um terno em frente ao estaleiro de Gavin Elster.
Em 1960, Hitchcock atingiria o seu ápice. Com Psicose é um dos filmes mais lembrados de todos os tempos. Talvez não pelo o nome, mas por uma cena em particular: a morte da protagonista na metade do filme. O som estridente, a cortina rasgada e a atriz Janet Leigh nua no chuveiro fizeram da cena uma perfeição em técnica, ângulo e atuação. A loira fria, que dessa vez decidiu roubar dinheiro do banco em que trabalha, não tem o tempo de se redimir e acaba sendo morta por um psicopata com um provável complexo de Édipo. Hitchcock na época das filmagens de Os pássaros em 1963 se baseou num conto de mesmo nome da escritora britânica Daphne Du Maurier e é protagonizado por Rod Taylor, Jessica Tandy e Tippi Hedren, esta última uma descoberta de Hitchcock. O filme inovou na trilha sonora e em efeitos especiais, e por este último motivo foi nomeado para o Oscar. Tippi Hedren, mãe da então futura atriz Melanie Griffith e ganhou o Globo de Ouro.
O seu último filme foi em 1976, Trama Macabra / Intriga em Família com Karen Black e Bruce Dern.
Em 1980, Alfred Hitchcock recebeu a KBE da Ordem do Império Britânico, da mãos da Rainha Elizabeth II. Ele morreria quatro meses depois, de insuficiência renal, em sua casa em Los Angeles.
Foi indicado seis vezes ao Oscar, mas nunca levou a estatueta. Só em 1968, ele recebeu da Academia o Irving G. Thalberg pela sua filmografia. O suspense de Hicthcock distinguia-se do elemento surpresa mais característico do cinema de terror. O suspense é acentuado pelo uso de música forte e dos efeitos de luz. Nos filmes hitchcockianos, a ansiedade do espectador aumenta pouco a pouco enquanto, o personagem não tem consciência do perigo. São apresentados dados ao telespectador que o personagem do filme não sabe, criando uma tensão no espectador em saber o que acontecerá quando o personagem descobrir. Em Psicose, o próprio Hicthcock diz que fez sua melhor e preferida cena, quando somente o espectador sabe que a velha assasina está lá em cima, enquanto o detetive sobe a escada e com a câmera de um ângulo de cima, vê a porta se entreabrir, e o esperado acontece, a assassina mata o detetive, que cai escada a baixo juntamente com o foco da câmera na mão com uma faca a golpear a vitima até a morte. Essa cena descrita poderia soar muito sangrenta, agressiva e causar calafrios, é esta mesmo a intenção, afinal estamos falando do mestre do suspense, do eterno e saudoso mestre Alfred Hicthcock.

Fonte: Cinema10

Nenhum comentário:

Postar um comentário