quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Butoh, a dança do homem-árvore






O butoh é uma dança que surgiu no Japão pós-guerra em meio aos protestos estudantis no Japão e ganhou o mundo na década de 1970. Criada por Tatsumi Hijikata na década de 50, o butô é também inspirado nos movimentos de vanguarda: expressionismo, surrealismo, construtivismo.
O butoh, é o resultado, não artístico, mas muito mais filosófico, da confluência de duas culturas completamente opostas e nitidamente anacrônicas: a ocidental, que vinha sendo consubstanciado pelos idos da modernidade de uma ideologia americana dos anos 50; e pela oriental, extremamente embasada em séculos e séculos da mais pura tradição milenar japonesa. Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno, os expoentes e criadores da arte butoh, buscaram nas vanguardas européias, como no expressionismo, no cubismo e no surrealimo, e nas danças japonesas, como Nô e Bugaku, a inspiração para a criação de suas artes. Seguindo a estética de artes que tinham como proposta a subversão de convenções, caracteristicamente assumidas pelas vanguardas, o butoh busca uma forma de expressão que não seja necessariamente coreografada, nem presa a movimentos estereotipados que remetam a uma técnica específica. O butoh preocupa-se em expressar a individualidade do butoka, sem máscaras e véus de alegoria; expressar o que o ser humano tem de verdade em sua alma, em seu espírito, mesmo que para isso desvende o que pode haver de mais sórdido, solitário e trevas no interior do dançarino. E para que isso seja expresso, não cabe que o meio pela qual se dá a expressão seja preso à convenções que mascaram a verdade da alma humana. O que deve ser feito, segundo a filosofia butoh, é libertar-se das formas do corpo e do pensamento. Kazuo Ohno, utilizou por muitos anos termos bastante sugestivos para a transmissão de seus conhecimentos aos seus discípulos, tais quais: o corpo morto, o qual sugere um corpo e uma alma vazia, livre, leve, sem empecilhos que o impeça de expressar-se. Aqui também está incluso a ideia do olho de peixe, que lembra os olhos de um cadáver, sem vida e estático, porém, assim como o peixe, extremamente vivo e pronto para reagir, assim como deve ser o butoka; crayze dance, free style, referindo-se ao livrar-se de convenções que estipulam os movimentos do corpo e da mente, uma expressão pura, completamente concernente à peculiaridade de cada butoka; o passado, os mortos, segundo Kazuo, só somos hoje o que somos, graças aos nossos mortos; aqui está inclusa a ideia do zen budismo da transitoriedade das coisas, de que é necessário a morte para que haja a vida. Como toda a arte que fica grafada nas páginas da história, o butoh expressa o que é universal, expressa o que é o ser humano com a sua torpe verdade. Assim, tanto para o butoka quanto para aqueles que o vêem dançar, as máscaras sociais são arrancadas e a verdade de cada um é brutalmente desvendada causando, consequentemente, uma espécie de alvoroço interior que nos obriga a sair de nossas estaticidades e conformações em busca do nosso verdadeiro eu. Assim, se compreende o intento de Hijikata ao pretender o butoh não como uma simples dança, mas como uma filosofia.
Um conceito de moderno para definir o butoh, seria de uma espécie de um teatro fundido à dança de vanguarda, se inspirou na "Ausdruckstanz" e em outras modernas tendências europeias e continua se abrindo a influências e assimilações, pós anos 50 anos, como a capoeira e a música pop da atualidade.
Corpos embranquecidos com pó-de-arroz japonês, lentidão sobre-humana, delicadeza e ternura beirando o kitsch, estertores, esgares, convulsões, morbidez, posturas corporais extremas, seminudez, sugestões de sangue, morte... Tão fácil é enumerar o repertório de formas do butoh quanto é duro definir satisfatoriamente essa arte corporal. Pois ela se originou e habita nos interstícios entre os conceitos, morto-vivo, belo-horrendo, masculino-feminino, isto é, na superação de gêneros e dualismos.
Michael Haerdter e Sumie Kawai, autores do livro Butoh, rebellion des körpers (Butoh, a rebelião do corpo), chamam a atenção para o processo de americanização, uma dependência com componentes "não apenas político-econômicos, mas também psicológicos", que tomara o Japão, "um país de contradições", após a Segunda Guerra Mundial.
Na dança do butoh, um inimigo era a modern dance, com sua fixação na pura forma. E o cultivo das artes cênicas tradicionais japonesas era percebido como uma camisa-de-força, feita de movimentos e gestos preservados e repetidos com minúcia pelos séculos adentro.
Os impulsos decisivos para romper com esse estado de estagnação artística partiram da Ausdruckstanz alemã. Interessante notar que a dança expressionista desenvolvida nas décadas de 20 e 30 por Mary Wigman e seus discípulos Harald Kreutzberg e Gret Palucca também se originara da revolta contra o balé clássico. E, para tal, seus criadores igualmente recorreram a influências "exóticas".
Por recusar-se a ser cristalizado como técnica, ou a formar escola, a natureza do butoh continua escapando a definições simplistas. Segundo um de seus maiores mestres, Kazuo Ohno: “O butoh é o que aprendi a inspirar e expirar, e cresci num determinado lugar. Impossível querer ensinar ou aprender essa vivência totalmente pessoal." Segundo ele, butô seria "o cadáver que quer se levantar, a todo preço e apaixonadamente"; "a luta de coisas invisíveis em meu corpo". "Minha dança nasceu da lama", comentava. Ou: "Não se esqueçam de fazer a tentativa de conviver com seus mortos".
O flerte com a morte é uma das constantes desse teatro-dança em perpétua mutação. Um componente extremo que conferiu trágica notoriedade ao grupo Sankai Juku em 1985: durante uma apresentação em Seattle, Washington, em que os intérpretes ficavam pendurados de cabeça para baixo de um alto edifício, uma corda partiu-se, e um deles precipitou-se na calçada abaixo, morrendo em seguida.
Porém, cinco décadas de sua origem, o teatro-dança japonês continua vivo e disposto a continuar assimilando influências estranhas, seja o flamenco, a capoeira ou o hip hop. Sua rede se espalha, e são numerosas as trupes de butô por todo o mundo.
Apesar da advertência de Hijikata, muitos tentam comunicar a natureza do butô. Na Alemanha, nomes como Minako Seki e Tadashi Endo (presença frequente no Brasil), lecionam regularmente. E a dançarina Sayoko Onishi dirige a Accademia Internazionale di Butoh na Sicília, Itália, em colaboração com Yoshito Ohno, filho de Kazuo.
O butô provou, igualmente, sua capacidade de ser assimilado: a legendária montagem de Macunaíma de 1978, do diretor brasileiro Antunes Filho, ilustra hoje publicações sobre o butô. Nos anos 90, a diretora norte-americana Julie Taymor integrou o veterano Min Tanaka em sua montagem do Oedipus Rex de Stravinsky, ao lado de Jessye Norman.
O butoh teve em Kazuo Ohno, seu grande mestre do teatro butoh, Kazuo foi mais que um dançarino e coreógrafo japonês, conhecido como o homem-árvore, por seus movimentos exóticos que lembravam as hastes finas de bambus, árvore que é considerada sagrada no Japão. Ele esteve três vezes no Brasil, nos anos de 1986, 1992 e 1997. Na primeira, Ohno visitou o país a convite do diretor Antunes Filho. “Ele foi fundamental na dança contemporânea e nas artes cênicas, trouxe para o Ocidente uma linguagem e uma técnica antes desconhecidas por nós. Foi uma revolução em relação ao que nós tínhamos como referência”, diz a encenadora, atriz e coreógrafa Maura Baiocchi, que conheceu Ohno na Universidade de Brasília em 1986 e foi uma das pioneiras na introdução do butô no país. Kazuo morreu ano passado com 103 anos, nasceu em 1906 na cidade de Hakodate, no Japão.
O corpo estava frágil e já há uns anos que vivia acamado, depois de outros tantos em cadeira de rodas mas, ainda assim, a dançar era vital para a sua vida, Kazuo que chegou algumas vezes nos seus últimos dias de vida a ser carregado ao colo ao palco pelo filho, Yoshito Ohno. Em 2004, ele anunciou o abandono dos palcos, mas a sua energia, contudo, não acabava, por isso, ele foi chamando de homem-árvore, um homem que revolucionou da dança mundial.
Com uma maestria incomum e brilhante adquirida com anos de formação, que singularizou Kazuo e fez dele uma das maiores referências mundiais da criação contemporânea. Diz-se que um bailarino deve iniciar o seu percurso cedo, e ele começou apenas aos 43 anos, depois de ter sido professor de Educação Física e soldado, acabando como prisioneiro de guerra na Nova Guiné.
Kazuo disse em uma de suas últimas entrevistas: “ Como é que eu posso dançar, como é que eu posso exprimir certas coisas se cada vez tenho menos força e menos energia? Mas sou capaz, porque sei que não estou sozinho, dentro de mim habita a minha família que me dá a força que necessito. O butoh é uma dança que valoriza a vida, mas que o faz assim convocando a morte, pois não se pode pensar na vida sem pensar na morte". Filosofou Kazuo.
Em 2009 o rosto de Kazuo Ohno, foi a capa de um álbum da banda britânica Antony & The Johnsons, intitulado Crying light, álbum dedicado a ele.

Fonte: Conexão dança