quarta-feira, 19 de maio de 2010

O maestro da era Youtube


Gustavo Dudamel se tornou um popstar à parte do mundo dos CDs. Ele é o regente-símbolo de nossa época, em que a internet é a melhor amiga do fã de música clássica.
O mundo da música clássica tem um relacionamento tenso com a fama. Por um lado, todos sentem falta dos dias em que Arturo Toscanini, Leonard Bernstein e Leontyne Price estavam na crista da onda e apareciam sempre em capas de revistas. Por outro lado, sempre que um músico clássico se aproxima da celebridade, o que inclui um anúncio de Rolex, uma foto na revista People e, talvez, o último quadro do programa David Letterman, os céticos começam a se preocupar com sua integridade artística. Esta ansiedade não é totalmente injustificada: Luciano Pavarotti passou de grande tenor lírico da era moderna para tema de piadas sobre gordos. A noção de incompatibilidade entre o comércio e a arte tem origem no marxismo universitário, e se opõe ao ideal de Beethoven, Verdi e Mahler, que se relacionavam apaixonadamente com o público em geral. Logicamente, é possível que um compositor ou intérprete clássico fique famoso sem se render à cultura da celebridade. Tal virtuoso pode até persuadir uma nação distraída com fatos vazios a prestar atenção em uma sinfonia de quarenta e cinco minutos.
Hoje, todos os olhos estão voltados para um maestro venezuelano de 29 anos, Gustavo Dudamel, que assumiu o cargo de diretor musical da Filarmônica de Los Angeles em outubro do ano passado. Há apenas cinco anos no circuito internacional, Dudamel já se tornou um dos mais famosos músicos clássicos vivos, com a ajuda de programas de TV, matérias nas primeiras páginas de jornais e vídeos no YouTube. Ao assumir a Filarmônica, durante um concerto no Hollywood Bowl, foi ovacionado como um astro pop por uma plateia de 18 mil pessoas. E o que émais impressionante, é que acabou por fazer silêncio durante sua apresentação da Nona Sinfonia de Beethoven. Isso aconteceu no movimento lento da peça, quando Dudamel conduzia os sons expressivos e intrincados dos violinos contra o suave coral dos sopros, neste momento, o burburinho cessou e Beethoven reinou. Tais feitos, a ovação e o silêncio explicam porque este jovem causou tremores inesperados de otimismo no mundo clássico.
Há três elementos básicos por trás da força de Dudamel. O primeiro é o comando surpreendentemente natural da arte da regência. A notícia de seu talento não foi espalhada por departamentos de relações públicas, mas sim por relatos maravilhados de colegas ilustres, como o italiano Claudio Abbado e o britânico Simon Rattle. O segundo é a energia contagiante que conquista almas endurecidas. A dura máscara da seriedade não é para ele; seus olhos brilhantes e feições contorcidas sugerem que ele adora o que faz. E por último, sua origem latina empresta uma nova cor a uma arte vista como exclusivamente caucasiana. Ele é produto de El Sistema, a lendária rede venezuelana de jovens orquestras, que encontra talentos nas áreas mais pobres do país, e sua atitude é diametralmente oposta à dos músicos saídos de conservatórios.
Dudamel pode ainda se queimar com toda a essa atenção, mas os sinais sugerem o contrário. Pessoalmente, é possível perceber uma dureza por trás de seu entusiasmo. Ele é obcecado pela música, intensamente ambicioso e bastante radical. Em outubro, no Hollywood Bowl, antes da apresentação da Nona Sinfonia, ele conduziu a EXPO Center Youth Orchestra, uma espécie de divisão de jovens talentos da Filarmônica, em uma interpretação difusa, porém alegre, da Ode à Alegria, o quarto movimento da Nona de Beethoven. Pessoas na platéia perceberam que os cobiçados assentos perto do palco, geralmente reservados aos beneméritos, estavam ocupados pelas famílias dos músicos jovens, muitos dos quais vieram de um bairro barra-pesada da cidade. Foi um gesto incisivo, quase político, algo que o lendário Leonard Bernstein teria feito em sua estréia.
Dudamel já provou que é um mestre das grandes ocasiões. O verdadeiro teste de suas habilidades virá gradualmente, com as tarefas diárias de uma orquestra americana: reger, planejar temporadas, contratar músicos, buscar doações e caso ele seja um milagreiro, mudar as feições da audiência. Um pouco antes do dia de Ação de Graças, voltei a Los Angeles para conferir como Dudamel e a Filarmônica trabalhavam em condições normais, em uma série de apresentações no Walt Disney Concert Hall. Foram leituras bem pensadas e elegantes, prova da versatilidade de Dudamel. Porém, nada que mereça entrar em uma cápsula do tempo. Apesar de passar a imagem de regente impulsivo, um selvagem com braços irrequietos e pés dançantes, suas escolhas musicais tendem a ser controladas, às vezes um tanto previsíveis. Ele favorece o som exuberante e pesado em Mozart, como em uma velha gravação do austríaco Herbert von Karajan. Há mais cordas que sopros, na proporção de cinco para um, o que é problemático em termos de equalização, apesar de os sopros da Filarmônica compensarem com uma série de solos vibrantes. Os tempos estavam lentos, beirando a sonolência no Andante da sinfonia Praga e no Minueto da Júpiter. Dudamel estava excelente no movimento lento da Júpiter, quando alcançou os mesmos requintes que fizeram o movimento lento de sua Nona de Beethoven tão memorável. Em geral, porém, este Mozart precisava de ritmos mais vigorosos, contrastes dinâmicos mais claros e detalhes mais aguçados de frases e articulação.
O Concerto de Berg, também, foi curiosamente sossegado. O maestro trabalhou para ressaltar seu solista. Shaham apresenta esta peça com uma doçura incomum, obtendo, algumas vezes, uma qualidade vocal vívida. Dudamel manteve-se ao fundo, oferecendo uma tela onde Shaham podia usar todas suas tintas. Como um todo, o programa foi rico em sutilezas e pobre em eletricidade. Foi bom ver Dudamel desafiando a si mesmo e a orquestra com tanto vigor no início de seu trabalho como diretor; a opção mais fácil seria preencher a temporada com peças românticas para agradar a audiência. Dudamel foi ruidosamente ovacionado após soarem as últimas notas da Júpiter. A orquestra e a plateia pareciam emocionadas.
Alguns relatos elegeram Dudamel o salvador da música clássica, mas Los Angeles não necessita de um messias; esta orquestra já havia sido salva. O finlandês Esa-Pekka Salonen revolucionou a Filarmônica em seus dezessete anos de trabalho , ele reorganizou a programação tendendo mais para a música moderna, com uma incansável campanha para convencer plateias do poder do novo e da estética da aventura. Felizmente, a visão de Salonen parece, agora, firmemente implantada na identidade da orquestra. O compositor John Adams assumiu um cargo no grupo e, quando eu estava na cidade, um festival com sua curadoria acontecia no Disney Hall. A apresentação de abertura foi um tanto caótica, mas teve reviravoltas surpreendentes: o quarteto Kronos interpretou uma poderosa obra do compositor cinematográfico Thomas Newman; o duo Matmos apresentou duas peças eletrônicas hipnoticamente densas; o grupo Ad Hoc Ensemble mostrou uma sinuosa criação de vanguarda do guitarrista Michael Einziger, da banda Incubus; e, por volta da meia-noite, Terry Riley, o pai do minimalismo, subiu à bancada do órgão e mandou um brilhante improviso de blues.
Concertos com tamanha liberdade seriam espantosos em qualquer orquestra; na Filarmônica eles são rotineiros. Como Dudamel irá se adaptar ao experimentalismo da Filarmônica é o que estamos para ver, mas ele parece ansioso para continuar com o legado de Salonen, adotando uma série de novas peças e acrescentando trabalhos de compositores sul-americanos. Com Salonen, a Filarmônica tornou-se a orquestra mais interessante da América; com Dudamel, tem tudo para manter o título.

Fonte: Revista Bravo!

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