terça-feira, 1 de novembro de 2011

Salve Drummond!


“...Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração...” Com esse Poema de Sete Faces que se iniciou minha paixão por esse grande poeta “gauche” de Itabira (MG), chamado Carlos Drummond de Andrade , que há 31 de outubro de 1902 nascia para entrar para história da literatura brasileira, do mundo e viver em nossa memória pela eternidade. Se estivesse vivo estaria este mês comemorando 109 anos de idade e de muita poesia da melhor qualidade.
Filho de uma família de fazendeiros em decadência, estudou na cidade de Belo Horizonte e com os jesuítas no Colégio Anchieta de Nova Friburgo RJ, de onde foi expulso por "insubordinação mental". De novo em Belo Horizonte, começou a carreira de escritor como colaborador do Diário de Minas, que aglutinava os adeptos locais do incipiente movimento modernista mineiro.
Ante a insistência familiar para que obtivesse um diploma, formou-se em farmácia na cidade de Ouro Preto em 1925. Fundou com outros escritores A Revista, que, apesar da vida breve, foi importante veículo de afirmação do modernismo em Minas. Ingressou no serviço público e, em 1934, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde foi chefe de gabinete de Gustavo Capanema, ministro da Educação, até 1945. Passou depois a trabalhar no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e se aposentou em 1962. Desde 1954 colaborou como cronista no Correio da Manhã e, a partir do início de 1969, no Jornal do Brasil.
O modernismo não chega a ser dominante nem mesmo nos primeiros livros de Drummond, Alguma poesia de 1930 e Brejo das almas de 1934, em que o poema-piada e a descontração sintática pareceriam revelar o contrário. A dominante é a individualidade do autor, poeta da ordem e da consolidação, ainda que sempre, e fecundamente, contraditórias. Torturado pelo passado, assombrado com o futuro, ele se detém num presente dilacerado por este e por aquele, testemunha lúcida de si mesmo e do transcurso dos homens, de um ponto de vista melancólico e cético. Mas, enquanto ironiza os costumes e a sociedade, asperamente satírico em seu amargor e desencanto, entrega-se com empenho e requinte construtivo à comunicação estética desse modo de ser e estar. Drummond, como os modernistas, segue a libertação proposta por Mário e Oswald de Andrade; com a instituição do verso livre, mostrando que este não depende de um metro fixo.Se dividirmos o modernismo numa corrente mais lírica e subjetiva e outra mais objetiva e concreta, Drummond faria parte da segunda, ao lado do próprio Oswald de Andrade.
Vem daí o rigor, que beira a obsessão. O poeta trabalha sobretudo com o tempo, em sua cintilação cotidiana e subjetiva, no que destila do corrosivo. Em Sentimento do mundo de 1940, em José de 1942 e sobretudo em A rosa do povo de 1945, Drummond lançou-se ao encontro da história contemporânea e da experiência coletiva, participando, solidarizando-se social e politicamente, descobrindo na luta a explicitação de sua mais íntima apreensão para com a vida como um todo. A surpreendente sucessão de obras-primas, nesses livros, indica a plena maturidade do poeta, mantida sempre.
Várias obras do poeta foram traduzidas para o espanhol, inglês, francês, italiano, alemão, sueco, tcheco e outras línguas. Drummond foi seguramente, por muitas décadas, o poeta mais influente da literatura brasileira em seu tempo, tendo também publicado diversos livros em prosa. Em mão contrária traduziu os seguintes autores estrangeiros: Balzac, Marcel Proust, García Lorca, François Mauriac e Molière.
Quando se diz que Drummond foi o primeiro grande poeta a se afirmar depois das estreias modernistas, não se está querendo dizer que Drummond seja um modernista. De fato herda a liberdade linguística, o verso livre, o metro livre, as temáticas cotidianas. Mas vai além. "A obra de Drummond alcança — como Fernando Pessoa ou Jorge de Lima, Herberto Helder ou Murilo Mendes — um coeficiente de solidão, que o desprende do próprio solo da História, levando o leitor a uma atitude livre de referências, ou de marcas ideológicas, ou prospectivas", afirma Alfredo Bosi .
Segundo o escritor e estudioso da obra de Drummond, Affonso Romano de Sant'ana costuma estabelecer que a poesia de Carlos Drummond a partir da dialética "eu x mundo", desdobrando-se em três atitudes: Eu maior que o mundo, que é marcada pela poesia irônica, Eu menor que o mundo, que é marcada pela poesia social, Eu igual ao mundo, que abrange a poesia metafísica.
Sobre a poesia política, algo incipiente até então, deve-se notar o contexto em que Drummond escreve. A civilização que se forma a partir da Guerra Fria está fortemente amarrada ao neocapitalismo, à tecnocracia, às ditaduras de toda sorte, e ressoou dura e secamente no eu artístico do último Drummond, que volta, com frequência, à aridez desenganada dos primeiros versos: A poesia é incomunicável. Fique quieto no seu canto. Não ame. Muito a propósito da sua posição política, Drummond diz, curiosamente, na página 82 da sua obra O Obervador no Escritório,RJ, Editora Record, de 1985, que Mietta Santiago, a escritora, expõe-me sua posição filosófica: " Do pescoço para baixo sou marxista, porém do pescoço para cima sou espiritualista e creio em Deus."
No final da década de 1980, o erotismo ganha espaço na sua poesia até seu último livro.
Atualmente, também, há representações em Esculturas do Escritor, como é o caso das estátuas Dois poetas, na cidade de Porto Alegre, e também O Pensador, na praia de Copacabana no Rio de Janeiro, além de um memorial em sua homenagem da cidade de Itabira.
Alvo de admiração irrestrita, tanto pela obra quanto pelo seu comportamento como escritor, Carlos Drummond de Andrade morreu no Rio de Janeiro, no dia 17 de agosto de 1987, poucos dias após a morte de sua filha única, a cronista Maria Julieta Drummond de Andrade. Como disse Drummond: "...Quem morre vai descansar na paz de Deus. Quem vive é arrastado pela guerra de Deus...". Fica então a sábia lição.

Lição
Tarde, a vida me ensina
Esta lição discreta:
a ode cristalina,
é a que se faz sem poeta.
(Carlos Drummond de Andrade)

Fonte: Memória viva.

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