terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A febre anarquista de Cláudio Assis

Há 50 anos nascia em Caruaru, estado de Pernambuco, o anarcocineasta Cláudio Assis. Deu início a sua carreira como ator e cineclubista na cidade em que nasceu, até a direção do primeiro longa, Amarelo Manga em 2002, premiado em Brasília, Toulouse na França, Miami e Fortaleza. Cláudio construiu uma trajetória que inclui a direção e produção de curtas, documentários e longas. Estes últimos são resultado de profunda reflexão sobre a linguagem cinematográfica e seus meios de produção. Sua obra dialoga entre si e constrói um discurso cinematográfico próprio, focado na reflexão do comportamento humano. Seus longas são projetos de baixo orçamento, embora na tela não transpareçam as dificuldades e limitações enfrentadas para a realização. Entre seus trabalhos de direção destacam-se: Baixio das bestas de 2006, premiado nos festivais de Brasília, Roterdã, Miami e Paris; Chico Science – Retratos brasileiros de 2008 e Vou de volta de 2007. Também dirigiu dois curtas: O Brasil em curtas 06 - Curtas pernambucanos de 1999, Texas Hotel em 1999, Viva o cinema de 1996, Soneto do desmantelo blue de 1993 e Henrique de 1987. Em 2011 fez A febre do rato, seu mais recente longa e ganhando vários esse ano, como: Melhor Filme de Ficção no Festin em Lisboa, Melhor Filme Ficção, Melhor Ator (Irandhyr Santos), Melhor Atriz (Nanda Costa), Melhor fotografia, Melhor montagem, Melhor direção de arte, Melhor trilha sonora, no Festival de Paulínia (São Paulo). Na adolescência, Cláudio Assis vestia-se de amarelo porque queria ser poeta como Vladimir Maiakovski. Depois tocou percussão em uma banda de rock, e a falta de ritmo que o fez fracassar é hoje motivo de orgulho: “Acho maravilhoso! A gente é mesmo torto. A vida é assim”. Os personagens de seus filmes se revelam por desvios e parecem cumprir a função de mostrar o grotesco do mundo. Às vezes, causam repulsa: “Eu filmo a morte de um boi em Amarelo Manga e dizem que sou violento. Fassbinder mostra dez bois com a cabeça decepada enquanto um casal conversa e é considerado cult”. Parte da crítica afirma que os trabalhos de Assis têm a intenção de chocar. Em Amarelo Manga, um homem é violentado com uma escova de cabelo. Em Baixio das Bestas, um avô exibe sua neta adolescente para clientes se masturbarem. Febre do Rato é mais suave, mas não tão distante: o protagonista, por exemplo, costuma transar com velhas em uma caixa-d’água. Um universo distante do que poderia ser considerado habitual. O diretor, no entanto, adora dizer que seu cinema é como o futebol de Garrincha, “o da maioria”. “As pessoas não ficam nuas? Mulher não tem estria? Homem não brocha? Qual é o problema? Eu filmo a realidade.” "A febre do rato" é uma expressão popular típica do Nordeste, especificamente do Recife, que significa aquele que está fora de controle. Metáfora apenas aparente para Zizo, personagem principal, que abre o filme com o ator Irandhir Santos, na pele do poeta, declamando: “Logo ali por trás do mangue, descansa a insônia, a faca, o serrote, o trabalho, o sexo e o sangue”. As convicções desse poeta inconformista perigam ruir quando ele cruza o caminho de Eneida (Nanda Costa), uma jovem de espírito livre. E Matheus Nachtergaele, presente nos dois filmes anteriores do diretor, que interpreta o coveiro da cidade. Já de início se restabelece uma conexão com o movimento cultural do Recife dos anos 1990, de que Assis é tributário: o mangue beat. Mas não só de sua poesia. Zizo é um poeta por vocação, personagem que chama a atenção pelo tom anárquico. Tanto que muita gente assegura que A febre do rato é autobiográfico. Então, qualquer semelhança entre personagem e diretor é mera coincidência? “Ele tem um pouco o meu jeito, tem a minha mão por trás, mas não sou eu”, garante Cláudio Assis. No filme o “tal” poeta, se dedica a vida à publicação de seu jornaleco, cujo nome é o mesmo do título. O objetivo é expor suas ideias, repletas de propostas anárquicas que valorizam o livre arbítrio das pessoas, sem se prender às amarras morais impostas pela vida civilizada. Quem não conhece o mundo de Zizo pode imaginar que ele esteja com a febre do rato, ou seja, fora de controle. Só que a verdade é justamente o oposto. E isso é só o começo do fim para esse cineasta genial, polêmico e alucinante. Afinal, para que serve o polêmico cinema de Cláudio Assis? “Para contribuir para que as pessoas pensem e tomem atitude. Não se pode fazer concessões. O que vemos no meio é todo mundo querendo as mesmas coisas, ir para Hollywood. Não faço concessões a ninguém, nem ao público, tenho que ser franco com ele.” Também não é preciso pensar que o cineasta se sente sozinho nessa empreitada. “Tem outras pessoas fazendo assim, mas a maioria prefere se esconder atrás dos mesmos interesses”, acusa. Não por acaso, o poeta Zizo grita, em determinado momento: “Coragem! Coragem para você ser quem você é”. E coragem é o que Cláudio Assis tem de sobra. “Se queres ser universal, começa por pintar sua aldeia.” O pensamento atribuído ao escritor russo Liev Tolstói, é uma das frases preferidas de Cláudio Assis, que há dois anos voltou a viver em sua terra natal. Como ele mesmo diz: “não tenho vontade de filmar fora do meu estado”. “Conheço muito o interior, nasci em Caruaru. Ainda tenho muitas histórias de lá para contar. E olhe que está dando certo. Como diria o poeta, fale de sua aldeia e falará com o mundo”, afirma ele. O exemplo desse pensamento, estão aí pra quem quiser assistir. Sua trilogia mais importante, Amarelo manga (centrado em personagens do submundo da cidade de Recife), Baixio das bestas (sobre as violências cometidas nas entranhas da região agropecuária de Pernambuco) e A febre do rato, todos para comprovar que há outros Brasis a serem (bem) explorados pelo cinema e também a parceria nos três longas com seu ator fixação Matheus Nachtergaele . Cláudio Assis é conhecido por não ter papas na língua, o diretor que apontou a família Barreto, Cacá Diegues e Hector Babenco como coronéis do cinema nacional, continua defendendo uma arte contestatória: “Como dizia Chico Science, ‘de que lado você samba, de que lado você vai sambar?’. Meu cinema é para fazer as pessoas pensarem. Na vida você tem que ter uma opinião própria”. No cinema brasileiro, é muito triste ver os mais jovens querendo repetir o que já existe, não há o cinema da reinvenção. Por mais que se diga que o cinema é uma arte nova, ele está em extinção, então é preciso um olhar novo, que não esteja preso a regras, estereótipos, mercado. O que eu pretendo, que é muito pouco, é que as pessoas tenham um olhar de estrangeiro. Busco em A febre do rato é fazer um cinema de atitude, de coragem, da proposição de ser o que você é, de não ter vergonha do que faz. Não sei se estou conseguindo, mas estou tentando. Quero que as pessoas pensem, se eu conseguir isso, então realizei meu sonho. Faço um cinema é muito plugado na realidade social. Acho que o mundo é muito injusto com todo mundo. E, por mais que entrem questões como o amor e a anarquia de um poeta da minha imaginação, a gente tem um problema social que é muito grave e não dá para se ausentar. E o momento que eu tenho para estar presente nessa discussão é num filme. Faço um discurso de que por meio da poesia podemos falar de igualdade. Sou influenciado pela vida, pelo amor. Não inventei a roda, mas tenho meus mestres. Bertolucci, Glauber e sobretudo Nelson Pereira dos Santos. O cinema brasileiro é “Vidas Secas” de 1963. Eu não acredito em Deus, mas, se eu fosse ele, ressuscitaria o Nelson Pereira dos Santos (o cineasta está vivo). Não há diferença de sexo, cor, de nada. A gente que faz cinema tem uma luta, uma questão que é humana. E só um poeta pode falar disso. Por isso que A febre do rato é em preto e branco, traz nudez e palavrões, também traz um poeta anarquista, que cria seu mundo como quer. Estudei economia, fui do Partido Comunista Revolucionário, mas faço cinema porque quero contribuir de uma maneira poética. Mudar o pensamento das pessoas é mais importante do que chegar com armas. Isso não leva a nada. O cinema pode provocar a mudança nas pessoas de maneira mais elegante, construtiva, de modo que você tenha lazer, prazer. Mas não gosto do rótulo de ser polêmico que colocam em mim. Prefiro que rotulem meus filmes, podem dizer que A Febre do rato é forte mesmo e que fala de poesia. Então tome poesia! Está tudo lá, lá estamos falando palavrão, mas tem também versos, brados e poesia pra quem preferir.

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