sábado, 4 de julho de 2009

O ator da vez

Selton Melo é o ator da vez no cinema brasileiro, está em cartaz com três filmes para agradar aos mais diversos gostos. Da comédia tipo sessão da tarde “A mulher invisível”, ao viés social tratado em “Jean Charles” até o claustrofóbico e erotizado “A erva do rato” .
Da nova safra de filmes de comédia do Brasil, o filme “Mulher invisível” mesmo com roteiro frágil e previsível, o filme consegue se manter graças ao carisma e talento de seu protagonista (Selton Melo), além da boa dinâmica dele com o restante do elenco.
“Mulher Invisível” é a história do controlador de tráfego Pedro, que cria na imaginação uma mulher perfeita, logo após ser chutado pela esposa. A tal mulher perfeita (Luana Piovani) realiza todos os desejos do rapaz, mas a situação começa a mudar quando uma outra mulher entra na parada.
O filme é mais um exemplar produzido com a marca “Globo Filmes”, o que traz ótimos pontos (como financeiro), mas também carrega consigo um peso enorme, principalmente quando há em cena um ator no auge de sua carreira, como é o caso de Selton Melo, mas no geral é um pacotão básico, um modelo estruturado que serve para vários filmes. Deixando um pouco isso de lado, o diretor Cláudio Torres acerta quando prepara o filme todo para Selton brilhar, interferindo pouco em cena e até aparando algumas arestas aqui ou ali.
A narrativa é construída de maneira bastante linear. Apesar de tentar criar um certo clima de suspense, todo mundo já sabe mais ou menos o que vai acontecer, até porque o trailer entrega bastante coisa. O que não entrega, no entanto, é a história paralela do outro lado do “triângulo amoroso”, vivida por Maria Manoela, um papel que exige um pouco mais e que a atriz interpreta de maneira correta. O grande trunfo do filme, no entanto, são as "gags" de Selton e seu elenco de apoio. Assim como Jim Carrey e outros grandes comediantes, o ator brasileiro tem o terreno todo para si e consegue, com isso, estabelecer uma boa dobradinha com Vladmir Brichta, que vive Carlos, seu melhor amigo. O roteiro, sim, é o fundo do poço do longa. Linear demais, previsível e frágil na maioria das cenas, ele leva a história a pontos bem chatos. No entanto, creio que o tipo de história cairia perfeitamente num daqueles seriados noturnos de sexta-feira da Globo, com muita comédia e temática mais adulta.


Amparado numa história real e com grande implicação social e política, o filme “Jean Charles” faz desse pano de fundo apenas uma muleta para levar à frente sua verdadeira história: a dificuldade de imigrantes brasileiros em Londres. E é apenas com as belas atuações do elenco que o filme se sustenta, apresentando uma narrativa e roteiro bem criativos.
“Jean Charles” conta a história do protagonista que dá nome ao longa (Selton Melo) e de sua prima Vivian (Vanessa Giácomo), que vivem na Inglaterra uma rotina de duras provações e subempregos mal remunerados.
A história de milhares de brasileiros que vivem fora do país já é bastante conhecida do público, que vê constantemente nos telejornais casos parecidos, com pessoas subempregadas e retornando ao país do jeito que foi: com a mão na frente e a outra atrás. Essa imigração, na sua maioria ilegal, é o mote do filme, que mostra não só os dois principais personagens, Jean e Vivian, mas também outra infinidade de brasileiros que vivem em Londres.
“Jean Charles” é apenas o registro do cotidiano de alguns brasileiros que vêem num país estrangeiro oportunidades que não encontram no Brasil. Fato corriqueiro e antigo, é verdade, mas que de certa forma não foi tratado ainda no cinema.
A dinâmica desses atores, aliás, é o grande trunfo do filme. Selton Melo encarna um Jean alegre e bem humorado, mas sem nunca deixar de ser prestativo e tentar ajudar a todos. Essa característica é que pontua toda trajetória de Jean pelo filme, que consegue resolver os problemas dos outros, mas os seus ficam sempre em segundo plano. Vivian, sua prima que vai à Inglaterra para juntar dinheiro para ajudar a mãe no interior de Minas, apresenta-se frágil, mas que percorre uma trajetória de crescimento pessoal considerável. Luis Miranda faz seu Alex despojado e engraçado em praticamente todas as falas, usando bem o corpo (quase numa teatralização de sua atuação) para uma quebra da dramaticidade do filme.
Em “ Jean Charles” com um papel difícil, cheio de sutilezas e riscos, Selton Mello mostrou de forma categórica que seu talento é muito maior do se poderia imaginar. A cena do telefonema para a mãe, por exemplo. Só um ator de maturidade plena conseguiria imprimir tanta vida e verdade a um personagem comum, cujo nasceu tão somente da tragédia estúpida que o matou.
Palmas também, nesse sentido, para o diretor Henrique Goldman, que optou por realizar um filme sóbrio, sem qualquer apelação, quando as tentações e as pressões para transformar Jean Charles num mártir não devem ter sido poucas. Goldman se concentra na morte incomum de Jean Charles, está mais preocupado como o cotidiano de um brasileiro comum numa cidade estrangeira. Simplesmente registra, com humanidade, uma história interrompida no meio pela violência, como tantas outras, infelizmente.


O diretor Júlio Bressane baseou-se em dois contos do genial Machado de Assis (A causa secreta e Um esqueleto), escritor de onde saiu a matéria prima para o seu Brás Cubas de 1985, um de seus filmes mais inesquecíveis.
Bressane, que para muitos considerado o Godard brasileiro, em “A Erva do Rato” nos mostra uma das melhores interpretações da carreira de Selton Melo e também uma atuação hipnótica de Alessandra Negrini. Temos, assim, dois atores globais completamente deslocados do que costumam fazer na televisão, o que já garante algumas interrogações iniciais no público que não acompanha a carreira do diretor. Mas isso é só o começo.
Na seqüência de abertura, vemos o mar banhado pelo sol e numa só tomada em 180º somos jogados pra dentro de um decadente cemitério. Lá estão Selton Mello num canto e Alessandra Negrini de outro. Apenas identificados como ele e ela. Isso é só o cartão de visita do que teremos pela frente. Imensidão, mistério, morte e muita ironia machadiana. Dessa externa somos jogados para dentro de uma claustrofóbica casa, onde praticamente todo o resto do filme se desenvolve. Tudo se concentra na estranha relação entre o casal central. Uma relação que começa na aproximação e, aos poucos, se mostra como uma espécie de servidão e entrega. Ele fala sobre mitologias, natureza e Rio de Janeiro, enquanto ela, obediente, anota todos os seus pensamentos. A entrega da mulher como objeto de posse do homem, quase um senhor feudal. Aos poucos, a relação de obediência e aprendizado se transforma em servidão erótica. Ele passa a fotografá-la, primeiro em comportados vestidos. Aos poucos as roupas são descartadas e a beleza dela passa a disputar atenção com sua própria fisiologia. Até que a relação de fetiche chega ao limite com a chegada de um rato. Um roedor safado que se alimenta das fotografias eróticas, surge a tríade um homem, uma mulher e um rato. As interpretações dos dois únicos atores ajudam a imprimir a força, seja pela imposição vocal levemente debochada de Selton Mello e a indiferente nudez (matadora, como sempre) de Alessandra Negrini. Ah, sim, e uma ratazana que bem poderia ser Hamlet em outra encarnação.
O que se passa no decorrer dos planos estáticos, com a fotografia do Walter Carvalho ameaçando transbordar o tempo todo, é simples: homem conhece mulher no cemitério e desenvolve com ela uma relação curiosa. A curiosidade não é só do ponto de vista do espectador em direção ao filme, mas dele em direção a ela, aos mistérios do corpo feminino, à revelação do órgão sexual por uma câmera fotográfica. O estranhamento de quem está diante da tela encontra um eco no estranhamento do personagem de Mello diante do corpo imóvel e desnudo, que parece esconder um mundo para o qual ele não tem acesso que não seja pela mediação de uma lente.
Nos minutos finais, a bizarrice domina (mais do que isso não posso dizer), e o filme cresce com isso. O último plano, de uma complexidade formal absurda para dar conta de uma ação simples, que pode ser percebida pelo barulho da máquina fotográfica, revela que Bressane ficou realmente deslumbrado com a técnica de Walter Carvalho.
“A Erva do Rato” tem muitos méritos, um deles certamente é o desconforto que provoca no espectador, que se sente impelido a uma revisão, desde que a preguiça ou a intolerância com o diferente não o tenha levado à desistência num primeiro momento. Mas esse encanto preciosista, a curto ou médio prazo, pode significar um beco sem saída para seu cinema. Não duvido que possa dar marcha a ré. Mas seria, de qualquer forma, uma involução.

Fonte: Cine Pop

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